Ruth Caldas, estudante de Direito
ABU Salvador (BA)
Segundo Aristóteles, justiça é dar a cada um o que é seu, o que nos traz a princípio uma idéia de retidão, certeza, nos leva à imagem tradicional de Thémis com sua espada e balança. Como fazer justiça com amor, sentimento tão subjetivo, não mensurável, incompreensível para muitos, e de difícil conceituação? Pode parecer difícil ou até mesmo incompatível com a atividade de um jurista, mas um caso concreto de mais de 2.000 anos atrás nos prova o contrário.
O pátio de um templo costumava ser o local ideal para ensinamentos, uma escola melhor dizendo, mas apesar de ser um lugar excêntrico para o ambiente do Judiciário foi lá mesmo que se instalou um tribunal, não com a mesma estrutura arquitetônica dos tribunais do nosso Poder Judiciário, mas, com certeza com os componentes materiais de uma audiência: lide, réu, juiz, promotores, etc.
Era manhã, bem cedinho quando Jesus foi ao templo. Como de costume, o povo se reuniu em volta dele para ouvir os seus ensinamentos. Ninguém falava como Jesus! Foi no meio do seu discurso que Jesus foi convidado a por em prática as suas palavras – como todos nós somos chamados. O ambiente da escola transformou-se rapidamente em um cenário de tribunal, com a chegada dos promotores: os fariseus e mestres da lei, da ré: a mulher adúltera e da lide: o adultério. Instalou-se uma atmosfera de tensão, de vergonha e de decisão. Os fariseus e mestres da lei levaram à presença de Jesus aquela mulher que foi flagrada na prática do adultério.
Segundo o Código Penal da época - chamado Lei de Moisés - a pena para essa conduta era apedrejamento até a morte, de acordo com o artigo 17:5 de Deuteronômio. Na espera da sentença do juiz, os promotores (todos com pedra nas mãos - os instrumentos para a condenação já prevista), pressionaram a decisão final daquele tão conceituado Mestre.
Nesse momento, o povo que ouvia os ensinamentos de Cristo aguardava ansiosamente a coerência dos discursos de Jesus – estava na hora de vê as práticas e ações daquele que falava de amor, de perdão, de misericórdia. Alguns internamente ponderavam aquela situação: se Jesus decidisse pelo não comprimento da Lei Mosaica seria o rebelde, o subversivo. Se julgasse pelo cumprimento estrito da Lei, onde estaria a prática do amor tão propalado por Cristo?
Nesse clima de angústia e tensão Jesus foi além das expectativas. Percebeu todo o cenário e não ficou preso à letra fria da lei. Ele viu todos os vícios processuais: falta do contraditório e da ampla defesa (princípios constitucionais que seriam invocados hoje), ausência do advogado, do autor e do homem que também praticou o adultério (este era um requisito processual sem o qual deveria haver a extinção do processo sem análise do mérito), pois, segundo o código vigente da época, ambos - adúltero e adúltera – deveriam ser apedrejados. Mesmo com tantos vícios de validade, o juiz Jesus preferiu outros caminhos para fundamentar sua decisão. Utilizou-se do princípio do livre convencimento motivado, Ele escolheu um método hermenêutico moderno para sua época: não usou a interpretação gramatical, utilizou a interpretação teleológica. Jesus captou que a mulher adúltera não era a preocupação dos fariseus, e sim, o pretexto para condená-Lo. Mateus, discípulo de Jesus, escreveu depois um livro sobre esse Juiz e relatou uma autodeclaração dele: “Eu não vim para acabar com a Lei de Moisés ou com os ensinamentos dos profetas, mas para dar o seu sentido completo”. Muito à frente do entendimento jurídico da época Jesus conseguiu visualizar a função social da pena, e sabia Ele também que o fim da lei é fazer justiça e gerar arrependimento, e foi por esse caminho que Jesus calmamente, em situação tão embaraçosa deu a sua decisão.
Olhos arregalados, ouvidos bem abertos, talvez caneta e papel em punho para publicarem no dia seguinte a decisão de Jesus no jornal mais popular da cidade, deveria ser manchete da capa principal: “De Mestre a subversivo” ou “O Filho de Deus apedreja mulher”. Jesus serenamente rompeu o silêncio instaurado: “Aquele que dentre vós que está sem pecado seja o primeiro que atire a pedra contra ela”.
Que decisão! Quanta sabedoria! Que maneira de fazer justiça que inova, quebra os paradigmas arcaicos e hipócritas da época! Jesus levou cada um que estava ali a questionar-se: “Será que sou tão justo assim?”. Ele fez com que aqueles promotores concluíssem por si só que eles também falhavam, que também tinham pecados (e como sabemos que para Deus não há hierarquia entre pecados, a mentira, a religiosidade, a vida incoerente palavras versus ações são pecados para Deus da mesma forma que o adultério, que o homicídio). Um a um do mais velho ao mais jovem promotor foi-se retirando daquele recinto. Se a história terminasse assim, para cada erro humano haveria essa decisão de Jesus para encobrir nossas falhas. Pensando nisso, Jesus vai além, ele deveria ser o primeiro e único a atirar a pedra – afinal, era o único sem pecado – mas, fez diferente: olhou para aquela mulher, conversou com ela (até então não tinha sido nem ouvida) e depois deu a sentença final: “Eu também não te condeno, vai-te, e não peques mais”.
Percebe-se que este Juiz não deixou que os muitos processos que tinha para decidir, que a vida agitada de professor, médico, psicólogo dentre outras que ele desempenhava tirasse a sua sensibilidade para com o outro. Jesus preocupou-se não apenas com a lide em si, mas com o corpo físico daquela mulher (pois a livrou do apedrejamento), com a esfera psicológica (porque restaurou a esperança e sua auto-estima) e também se preocupou com sua vida espiritual (pois a convidou para a salvação quando disse “não peques mais” – não sendo condizente com seu erro).
Jesus como juiz fez Missão Integral, foi movido por amor ao fazer justiça, trouxe esperança a quem estava perdido, mostrou que para desfrutarmos desse perdão devemos procurar acertar o alvo, e nos convidou com suas ações a termos uma vida coerente, afinal, também seremos confrontados com desafios que exigirão mais do que teorias, exigirão práticas de Amor e de Justiça.
Jesus como juiz fez Missão Integral, foi movido por amor ao fazer justiça, trouxe esperança a quem estava perdido, mostrou que para desfrutarmos desse perdão devemos procurar acertar o alvo, e nos convidou com suas ações a termos uma vida coerente, afinal, também seremos confrontados com desafios que exigirão mais do que teorias, exigirão práticas de Amor e de Justiça.
2 comentários:
Estava pensando com os meus botões, depois de ler ambos textos... qual era a proposta do concurso literário?
Texto muito bom, esse segundo também é.
Continuem escrevendo, pessoal!
Juridicamente e divinamente inspirado! Parabéns, Rutinha!
Bom olhar para esse precedente cristão de justiça com amor, talvez o único existente, realizado por nosso Mestre.
Que Deus conserve essa sede e fome de Justiça em sua vida!
Dayane - ABU/ES
Postar um comentário