18.7.08

Esmola para mim

Manueli Magalhães
Estudande de Comunicação Social
ABU Juiz de Fora - MG

Hoje, 7 de julho de 2008, me aconteceu um fato inusitado.

Eu nunca sei o que fazer quando algum excluído social se aproxima me pedindo esmolas. Sempre me dá muita angústia, porque, de verdade, nunca sei o que fazer. Minha esmola não vai incluí-lo na sociedade, talvez favoreça ainda mais seu afastamento. Entretanto, não me arranca pedaço dar-lhes algumas moedas ou notas verdes. Só que tenho o terrível preconceito de achar que o dinheiro nunca vai ser usado para aquilo que eles dizem. Seja pelo preconceito ou pela desculpa politicamente correta do "não dê esmola, dê futuro", nunca atendo ao pedido dos excluídos. Mas hoje foi diferente.

Estava eu à caminho da universidade, dentro do 525. Como diria Bauman, o 525 sempre foi um lugar "limpo". A bordo dessa linha de ônibus só se encontra a elitizada classe universitária, e agora, os que têm pelo menos R$30 para gastar em uma tarde no shopping. E nesse ambiente de mochilas Puma e saltos altos, surge pela porta da frente um homem de casaco de lã e tênis furado, vestindo o que restava de uma calça jeans. Se ele simplesmente entrasse e sentasse na cadeira especial lá perto do motorista, todos nós agiríamos como sempre: ignorando sua existência e descendo no ponto do Direito. Mas aquele homem com deficiência nas pernas e olhos naturalmente tremulantes começou a caminhar, distribuindo um folheto para cada passageiro.

Meu coração parou quando vi que minha vez se aproximava. Sempre entro em um profundo dilema moral quando essas situações acontecem. "E agora, o que eu faço? E agora, o que eu faço?" Um garoto à minha frente recusou receber o papel, e resolvi imitar sua atitude. Quando aquele homem se aproximou e estendeu-me a mão, olhei-o nos olhos por meio segundo, tempo necessário para que ele entendesse minha recusa. Tempo necessário para que eu percebesse que a miserável da história era eu.

A garota sentada ao meu lado pegou o papel, que fiz questão de nem olhar. Ela se pôs a ler muito interessada, enquanto eu me debatia na minha mesquinhez. O homem fazia um esforço hercúleo para chegar de novo na parte dianteira do ônibus a fim de recolher seus folhetos e algumas possíveis contribuições. Me retesei fortemente, cruzando os braços no peito e encostando o queixo no ombro. Nesse momento, eu e minha inseparável camisa amarela nos cruzamos e ela fez questão de me esfregar a verdade na cara. Quando vi aquela estampa vermelha berrando "Fé que pensa, razão que crê", imediatamente vesti o casaco. Minha fé se envergonhava de mim, assim como eu de minha razão. Nesse momento, uma garota lá na frente com um grande sorriso entregava ao homem algumas moedas. Tive vontade de queimar minha blusa em praça pública comigo dentro. Ele se aproximava de mim. Não conseguia distinguir para onde ele olhava, só torcia para que não fosse na minha direção. Até que o inevitável aconteceu. Ele estendeu a mão para pegar o folheto da prestativa leitora ao meu lado, que de altruísta só teve o gesto de devolvê-lo o papel gasto. Foi então que recebi um golpe na alma e rapidamente tirei um dinheiro da carteira e coloquei na sua mão. Ele me respondeu com um franco sorriso amarelado e continuou seu trajeto. Pouco depois, desceu do ônibus.

No instante em que o 525 parou em frente ao shopping, comecei a pensar na humilhação diária a que submetemos nossos semelhantes. Nós, elite universitária de todos os tempos, vivemos como se os excluídos pedissem esmola apenas uma vez por mês, no momento em que cruzam nosso desinfectado caminho para o sucesso.. Nos recusamos a dar-lhes esmolas, futuro e presente. Nunca imaginamos a humilhação que se apodera de suas mãos constantemente erguidas em petição. Nunca se passa em nossa mente que nós estamos roubando sua dignidade (de que talvez eles nem se saibam possuidores) ao fazer dos nossos estudos uma mera reprodutibilidade técnica do status quo que nos manterá próximos a essa realidade através, somente, das lentes de algum documentarista premiado.

Aquele homem conseguiu algum dinheiro dentro do 525. Mas quem recebeu a esmola, definitivamente, fui eu.

6 comentários:

Anônimo disse...

"quem recebeu a esmola, definitivamente, fui eu." [2]

essa é a realidade de muitos de nós.. e infelizmente ainda não sei o que fazeR !


karen oliveira
CS - Rádio e TV
UESC / BA

Anônimo disse...

É Manu...
Confesso que também entro num dilema moral nessas situações.
Seu texto grita a hipocrisia de nosso discurso cristão de amor ao próximo.

Parabéns pelo texto e pela sensibilidade de registrar essa experiência em palavras.

*Dayane*

Anônimo disse...

É Manú, vc não está sozinha, infelismente tem mais gente nesse barco, inclusive eu!
Esse assunto sempre me constrage quando tenho que ensinar a meus alunos de EBD que temos que amar ao próximo! Tá muito longe o discurso da ação!
Reconhecida a hipocrisia, nos perguntemos, que faremos então?

Parabéns pelo texto!

Anônimo disse...

Oi, Manu...

Eu também não sei se é certo dar esmolas. Eu não sei nem se "esmola" é uma palavra que deveria existir. Mas uma coisa eu sei: EU SEI que Deus nos molda com as situações do nosso dia-a-dia. É só a gente olhar pra elas com um pouquinho mais de atenção. Obrigado por compartilhar essa sua experiência, e permitir que Deus falasse de perto ao meu coração.

Parabéns pelo texto.

Natanael.

will jesse dias disse...

Como nada que eu disser acrescentara algo significativo ao que ja foi dito, resta-me expressar a minha surpresa: o shopping finalmente ficou pronto!?

Anônimo disse...

O simples ato de dar esmolas não resolve o problema de ninguém, mas também não piora a situaçao. Dar esmolas é até melhor pra quem dá do que pra quem recebe, pois é uma oportunidade de demonstrar o amor de Deus em nossas vidas. Claro, devemos ter discernimento e analisar as circunstâncias. E não se limitar a dar esmolas, mas fazer a sua parte pra mudar esse quadro.

Achei interessante a citação abaixo:

"Não há ninguém ao redor de nós que não precise de solidariedade. Todos somos pobres e necessitados uns dos outros. Cristo não disse nada à toa. Por isso, não foi à toa que ele disse: "Pobres sempre tereis entre vós". (Mc 14,7;JO 12, 8). Entendamos bem suas palavras: Ele não quis dizer que necessariamente deva haver pobres, mas quis dizer que sempre haverá pobres para que nunca nos faltem oportunidades de servir. Pobres existem não porque Deus quer, mas por causa de injustiças e de nosso egoísmo. De fato, não tem sentido chamar Deus de Pai na oração do Pai-nosso se não nos tratamos como irmãos. Sejamos solidários, mãos a obra!." F. Petrônio de Miranda, 0. Carm. (http://www.ispiaki.com.br/index.php?page=religiao&religiao=008);
Interessante o artigo do Luis Matos em http://missaovirtual.wordpress.com/2008/07/24/eu-dou-esmolas/

Parabéns pelo artigo!