1.4.09

O ponto

Manueli Magalhães
Ex-abuense de Juiz de Fora
Jornalista e colaboradora da assessoria de comunicação da ABUB.



Foi em janeiro do ano passado. Já fazia duas semanas que eu estava em São Paulo, tempo suficiente para me acostumar aos trajetos que fazia com frequência. O apartamento da amiga que me hospedava fica muito bem localizado, perto do metrô, do supermercado, da papelaria e do ponto de ônibus. Acredito que eram quase sete da noite, porque já escurecia. Não estava escuro o bastante para acender o farol alto, mas era suficiente para não se enxergar bem o rosto das pessoas.

Estava atravessando a rua para tomar o ônibus que me levaria à igreja. À distância, notei que havia apenas uma pessoa no ponto, sentada de pernas cruzadas. Por vir de uma cidade pequena, alguns hábitos interioranos ainda me habitam, como o pedir desculpas ao esbarrar em alguém na calçada e o cumprimento instantâneo quando os olhares se cruzam.

Já estava com um pé fora do asfalto quando percebi que aquela mulher sentada com a mão no queixo não era bem uma mulher, era um travesti. Abri um sorriso e lhe dei boa noite.

Nem ele nem eu esperávamos por isso. Ficamos os dois desconcertados. Timidamente ele me desejou boa noite e desviou o olhar com rapidez, assim como eu, que me apressei em esconder os olhos na direção oposta.

Meu coração ainda palpitava quando duas mulheres falantes chegaram no ponto. Em algum lugar do planeta um gongo soou, e em agradecimento, nós dois fixamos a atenção nelas. Foi um bom alívio para a surpresa e o constrangimento que em silêncio partilhávamos. Inconscientemente, nós dois secamos as mãos em nossas saias.

O ônibus dele não demorou a chegar. Acompanhei-o com os olhos enquanto subia as escadas. Fui surpreendida por seu olhar de soslaio que, depois de uma breve pausa, me brindou com um sorriso discreto. O motorista fechou a porta antes que eu pudesse responder à despedida.

Minha condução veio logo depois. Quando recostei a cabeça naquela falsa almofada do assento, me dei conta de uma coisa. Tinha sido a primeira vez que eu cumprimentava um travesti. Novamente sorri, mas dessa vez, ninguém viu.

2 comentários:

THAYSA disse...

Que lindo!
Quando uma atitude de amor igual a essa, mesmo que despercebida,acontece, temos Deus um pouco mais perto de nós...Pois, essa é (ou pelo menos deveria ser)a essência de nossas relações, ou seja, o amor.
É tão gostoso quando vivemos o despertar de Deus em nossas vidas com coisas tão singelas, né?!
Então, Deus, nos ensine, sempre!!!

Thaysa, ABU São Luis
:)

Talita Pimenta disse...

Grande poeta e amigo Castro!
Consegue decifrar os sentimentos da forma mais expressiva, bela e única.
A saudade que me acompanha na estrada da vida, evidencia quanto amor tenho por aqueles que conheci no caminho...histórias, risadas, cumplicidade, fé compartilhada...
e não será a distância que nos separará...
Saudações abuense!!