30.6.09

A disputa dos objetos


Flávio Américo Abeuense de Natal Mestrando em História - UFRN

Quem quiser tornar-se importante entre vocês deverá ser servo, e quem quiser ser o primeiro deverá ser escravo. (Mt. 19:26-27).

Certa vez, os discípulos estavam discutindo sobre quem seria o maior entre eles. Quando Jesus chegou, todos se calaram. Cristo, que sonda os corações, como você bem sabe, amigo leitor, começou a ensiná-los dizendo:

– Era uma vez uma igreja. Não qualquer igreja, mas uma que tinha objetos que falavam, e não era pouco não. Certa vez, após o fim do culto de domingo, depois que todos os irmãos tinham ido embora, a porta começou a dizer:
– Pensei que o zelador não ia apagar a luz para os irmãos irem embora. Já estava com os braços cansados por abri-los por tanto tempo.
– Mas essa não é a sua função? – perguntou o tapete, que sofria muito pelo fato das pessoas pisarem nele, ainda mais quando era dia de chuva.
– É verdade! Inclusive, é bom ressaltar que é o principal cargo da igreja. Eu abro e fecho a igreja. Além disso, se não fosse a porta, por onde as pessoas entrariam? Pelas Janelas?
– EEEEi! – gritaram as janelas indignadas. – Não sei se a senhora está lembrada, irmã porta, mas é por nossa causa que a igreja é tão ventilada e tem luz natural durante o dia. Isso é muito importante para economizar, ainda mais em uma igreja pobre como a nossa! Sem o nosso cargo, tudo seria um inferno escuro e quente.
– “Pensei que o zelador não ia apagar a luz para os irmãos [...].” – Começaram a repetir, como era de costume, as caixas de som. Mas antes de terminarem de reproduzir o que tinha sido dito até então, os microfones tomaram a palavra, dizendo em coro:
– O que seriam dos sermões, testemunhos, avisos, louvores, ou seja, do próprio culto, se não existisse o nosso trabalho?
– Nesse momento, meus amigos, a confusão estava instalada. A mesa de som discutia com o amplificador sobre quem tinha a primazia na sonoplastia. O gazofilácio tentava convencer as cestinhas das ofertas que era por meio dele que entrava a maior parte da renda da igreja. As baquetas batiam na bateria e nos outros instrumentos para mostrar quem marca os passos do louvor. Os bancos, para variar, não participavam muito. Alguns dormiam, outros conversavam sobre outros assuntos (um banco estava comentando sobre uma cadeira nova na igreja) e outros pareciam prestar atenção na confusão, mas não opinavam pelo fato de não gostarem de aparecer.
– ESTÁ ESCRITO – gritou o púlpito – AMÉM? ... Que o cargo mais importante é o de quem trabalha com a Palavra. – E continuou, mudando o timbre da voz, tentando dar um efeito de imponência, mas que só fazia lembrar alguém que estava tentando ensinar Divisão Silábica a uma criança muito pequena – e nin-guém pode se le-van-tar contra o UNGIDO do Se-nhor.
– Isso fez com que todos ficassem querendo ser púlpito. É verdade que “ninguém pode se levantar contra o ungido do Senhor”, mas o problema é que o púlpito não estava falando de mim. Então tudo indicava que a discussão estava decidida. Mas uma Bíblia, que tinha sido esquecida no fundo da igreja, levantou, com muita discrição, uma das capas para pedir a palavra. Todos se calaram, inclusive o púlpito, que pareceu estar um pouco contrariado.
– Na verdade, – disse a Bíblia – o que está escrito é que “Deus dispôs cada um dos membros no corpo, segundo a sua vontade. Se todos fossem um só membro, onde estaria o corpo? Assim, há muitos membros, mas um só corpo”.
– Todos se calaram!
Vendo Jesus que os discípulos estavam arrependidos, disse sorrindo:
– Entenderam ou querem que eu desenhe?

11 comentários:

Cássia - ABU Valadares disse...

Flávio, parabéns mais uma vez! Seu bom humor e seu apreço pela Palavra fazem com que seus textos seja relampejos da alegria divina! E o que mais merece louvor não é o texto em si mesmo, senão não teria cumprido seu papel, mas sim, a joia que ele carrega consigo! Continue amigo, continuo sua fã! Um doce abraço!

Renan Ramalho disse...

Gostei do texto
A idéia é velha, tão velha, que às vezes esquecemos. E de tão repetida, alguns ouvem e já não se admiram mais. Caiu na rotina como sol forte, mas cotidiano – talvez por isso seja nobre a atitude de redizer em uma forma nova, nesse caso um conto, afinal o eclipse ainda impressiona. Sempre é necessário relembrar que somos corpo – para aqueles que ainda não entenderam: que se desenhe! Mas entendam!

Carlos disse...

De fato, se faz necessário enfatizar a questão do serviço cristão abnegado e dos multiformes dons que Deus dá aos seus seguidores.

Hoje em dia parece haver uma padronização: todo mundo quer ser do louvor ou pregador por motivos quase sempre reprováveis.

Precisamos de mais servos de Deus anônimos e com ego contido!

Belo e oportuno texto Flávio, que Deus te use para falar com essa clareza tão necessária!

Abração

Erica disse...

Muito bom!!!!! Sempre bom nos lembramos da importância de todos os membros do corpo. Até porque, como humanos caídos tendemos a nos esquecer disso mais do que devíamos e algumas vezes acho que Jesus precisa literalmente "desenhar" pra entendermos!

Anderson Baêta disse...

Gostei rapaz...

Fico imaginando vc contando essa história com esse sotaque nordestino...

Saudades de vc fi...

A cadeira olha para o tapete reclamando em dia de chuva e diz: seje homi, homi....

Dayane disse...

Flávio Américo!

Acho que você andou aprendendo a fazer parábola com Jesus...

Que Deus continue lhe dando inspiração para nos abençoar com seus textos!

Grande abraço!

DÉBORA disse...

Obrigada por me lembrar disso!
Acabamos dando tanta importância a outras coisas da vida, que em alguns momentos fazemos o percurso contrário, tentamos transformar Deus em servo!
Ótimo post, amigo!
Deus te abençe!
Hugs

Anônimo disse...

Flávio Américo!
Acho que você andou aprendendo com Jesus a fazer parábola.
Que Deus continue lhe dando inspiração para nos abençoar com seus textos!
Grande abraço!
Dayane - ABU/Vitória-ES

Camila Ataliba disse...

Hahaha...

Não precisa desenhar, não! A palavra do Senhor para nossas vidas, ainda que dura é passível de compreensão no primeiro momento...

Basta nós cabeça-duras seguir...

Beijo

THAYSA disse...

kkkkkkkkkkkkkkk

:)

muito bom!!!

acho que eu iria pedir pra desenhar... hahaha


Parabéns por mais um brilhante texto.

Jéssica Régis disse...

O Flávio preserva a simplicidade e o riso de uma criança com o olhar sábio de um adulto e faz da imaginação seu mais bonito recurso, dizendo, de outra forma, o que cansamos de escutar e esquecemos ou relutamos em fazer.

Parabéns, meu querido. Conserve este riso bonito.