13.8.09

O Espírito e o Curinga


Renan Ramalho
Abeuense de Natal (RN)
Estudante de história da UFRN


Em um tempo não tão remoto, ouvi o professor Wiclife Costa – com o qual compartilhara meu tempo tanto nas disciplinas universitária do curso de História quanto nas reuniões semanais da ABU – falar a respeito da importância de refletirmos sobre as coisas ordinárias da vida, pois estas nos acompanham quase que diariamente. Realmente, raramente investimos tanta energia nelas quanto em nossas mais complexas reflexões. Há uma tendência nossa de levarmos cada vez mais o pensamento a uma categoria quase folclórica ou de entretenimento. Frequentemente, a impressão que se tem é que quanto mais ininteligível, relativista e pouco real seja uma formulação, mais genial ela é.

Não defendo um superficialismo de ideias, nem desprezo a necessidade de pensar sobre as complexidades da vida. O problema se dá quando há uma romantização de uma retórica irreal.

Que isso tem a ver com a vida cristã?

Assim como as ideias e reflexões se tornam quase folclóricas e elegemos campos metafísicos como templos de um panteão ideológicos onde elas possam habitar, longe das tensões e conflitos éticos diários, assim elegemos as reuniões religiosas como locais e tempo de tratarmos sobre as coisas ditas de Deus e lá deixamos os raciocínios mirabolantes sobre o sexo dos anjos, voltando ao mundo vazios. Retiramos Deus completamente do nosso dia-dia, mantendo-o longe das nossas constantes tensões éticas.

No romance “O dia do Coringa” de Jostein Gaarder, havia um líquido mágico chamado bebida púrpura, que despertava em quem o tomava uma intensa experiência sensorial. Nesse momento podia-se perceber a riqueza e a grandiosidade dos eventos naturais, que um dia foram questão de profunda perplexidade quando criança, mas que as repetições tornaram-nas coisas ordinárias. Em tal perplexidade estaria a essência da real filosofia: pensar filosoficamente teria seu alicerce na sensibilidade ao milagre da existência.

Mas e o que isso tem a ver com a vida cristã?

Assim como o mundo é maravilhoso no simples fato de existir mantendo seu tenso equilíbrio e nesse observar a realidade com sensibilidade filosófica há grande fonte de sabedoria, também no milagre da existência, e na vida cotidiana, podemos ver Deus. E assim como por vezes, devido às repetições do mundo ordinário, nossa sabedoria torna-se infértil e insensível – precisando que bebamos da “bebida púrpura” para que ela nos devolva a curiosidade infantil de cada momento – assim também nossa espiritualidade torna-se, por vezes, insensível ao Deus onipresente. Formalizamos momentos para que ela se torne ativa e agendamos milagres.

Talvez precisemos da bebida púrpura do espírito santo, para de novo conhecermos o Deus de nossa conversão, de quando ainda éramos crianças na fé. Quando mesmo sem conhecermos a diferença entre graça salvífica e graça comum, não tínhamos experimentado a frieza da repetição dos sacramentos. Em nossa ingenuidade preservávamos o prazer de dizer as simples, mas intensas, verdades, como: “Jesus te ama” (e te ama cotidianamente).

2 comentários:

BRUNNO ALYSON DA SILVA SOARES disse...

Brilhante texto amigo Renan. Vc foi profundo e realista.

Precisamos aprofundar nossa capacidade de raciocínio e fazer dela também um meio de nos aproximarmos mais de Deus, separando o preconceito, afastando a superficialidade e dando ao mundo e a vida mais do que meras palavras ou um pseudo-testemunho cristão.

Crer é também pensar.

Thaysa Farias disse...

Oiee, Renan!

Lindo texto...

Deus nos ama

C.O.T.I.D.I.A.N.A.M.E.N.T.E ,

Foi uma alegria pra minha alma ler

essa frase.

bjnhos :)